Hidrogênio verde se torna agente de inovação, empregabilidade e energia limpa no Ceará
Hidrogênio verde é um marco na industrialização do Estado e traz empresas de grande porte
Por Lucas de Paula - Conexão085

De frente para um gigante mar azul, onde ao horizonte a água se mistura com os navios que aportam, está o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), que atua como o mais avançado produtor de hidrogênio verde do Brasil. Localizado em São Gonçalo do Amarante, no Ceará, o complexo é beneficiado pelos fortes ventos da região do Pecém e pelo clima quente, que contribui para a produção de energia solar e eólica.
A abundância de energia renovável é uma das principais vantagens que levam o Ceará a ter um dos processos de produção de hidrogênio verde mais avançado do País. Essa vantagem se une à infraestrutura disponível no Complexo do Pecém, aos incentivos da Zona de Processamento de Exportação (ZPE Ceará) e à sociedade com o Porto de Roterdã.
Vitor Santos, diretor de Tecnologia da Aeris Energy, aponta que energia eólica tem condições de ser a espinha dorsal da produção de hidrogênio verde no Ceará. “Para ser verde, o hidrogênio exige uma fonte de energia 100% limpa, e o estado tem um recurso de classe mundial: ventos constantes e de alta qualidade, que garantem a estabilidade necessária para a produção de hidrogênio em larga escala”, pontua.
Desenvolvido por meio da eletrólise da água, o hidrogênio verde é hoje visto com potencial estratégico no projeto de transição energética global. A sua produção acontece ao separar o hidrogênio do oxigênio usando de energia solar e eólica. Para além do posicionamento do Ceará na margem equatorial, existem outros fatores que contribuem para o pioneirismo do Estado. O acesso logístico facilitado aos mercados consumidores dos Estados Unidos e da Europa, além da plataforma oceânica rasa que facilita a construção de Usinas Eólicas ou mesmo híbridas offshore, são alguns desses agentes.
A conjunção desses motores dá ao Ceará grande vantagem estratégica para a atração de investimentos. “Isso cria um ecossistema ideal para os investimentos, oferecendo vantagens tributárias que reduzem os custos para importar os equipamentos e facilitam a exportação do hidrogênio verde para o mundo”, afirma.

Foto: Gladison Oliveira/Complexo do Pecém
Apesar das características favoráveis, há também muitos desafios. Segundo Hariel Abreu, engenheiro e mestre em Energias Renováveis, o cenário da energia eólica no Brasil hoje é complexo e enfrenta o Curtailment, um fenômeno onde as usinas de energia eólica são obrigadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a desligar as máquinas, pressionando os ativos eólicos. “Temos uma grande dificuldade de escoar o excedente de energia, principalmente no período de maior geração que ocorre no segundo semestre, devido a infraestrutura de Transmissão e Distribuição de energia ainda limitada”, afirma.
Esses fatores podem ser vistos como barreiras para a internacionalização do Ceará no mercado, uma vez que o combustível é visualizado hoje como um veículo de exportação do excedente energético para outros países, sobretudo europeus. “Demanda uma imensa quantidade de energia elétrica centralizada, característica típica da Energia Eólica, além de água e outros recursos”, pontua o engenheiro.
O hidrogênio verde é um marco de industrialização do Estado e traz consigo a chegada de empreendimentos de grande porte, investimentos internacionais, desenvolvimento tecnológico e geração de emprego e renda, mesmo no cenário em que é tido meramente como produto de exportação. Abreu afirma que nos próximos anos será demandado um volume alto de instalações no Brasil, sobretudo no Ceará, o que deve contribuir também com parques eólicos offshore. “Cabe ressaltar a necessidade de adaptação e resiliência da infraestrutura elétrica para proporcionar a qualidade de energia necessária aos equipamentos que produzem hidrogênio verde”, diz.

Foto: Divulgação
Projeto offshore Complexo Eólico Marítimo Dragão do Mar
O projeto offshore Complexo Eólico Marítimo Dragão do Mar, com capacidade de 1.216 GW, é uma das novidades pensadas para o próximo ano. Trata-se de uma instalação de um parque de energia eólica no oceano, que utilizará energia gerada no mar e produzida na planta de hidrogênio verde do Pecém. Desenvolvido pela Qair Brasil na costa de Acaraú, a energia será direcionada para a produção de Hidrogênio e Amônia Verde no Hub de Hidrogênio do Pecém.
A vantagem do offshore é a potência, uma vez que é possível instalar máquinas três vezes mais potentes. A maioria das instalações desse tipo ocorre entre 10 e 50 km da costa, fazendo com que os aerogeradores não possam ser vistos. “É um passo importante para lidar com a quantidade de energia que será demandada pelos equipamentos de produção de Hidrogênio e para garantir a nova etapa do desenvolvimento do Estado do Ceará”, comemora Hariel.
Amônia verde
Com previsão de investimento de US$ 4 bilhões até 2030, a Casa dos Ventos e a Comerc Eficiência desejam implantar no CIPP a maior planta de amônia verde da América Latina. A pretensão é que a operação tenha início em 2026 e que sejam produzidas 2,2 milhões de toneladas por ano.
A amônia é atualmente o composto químico (NH3) mais produzido e utilizado no mundo, sendo usado principalmente na produção de fertilizantes no setor agrícola. Além dessa utilidade, conta com aplicações críticas em diversos outros setores, como indústria, remédios, têxtil (nylon), bebidas, explosivos, tratamento de efluentes, refrigeração, climatização, plásticos e fibras. “O Brasil importa grande parte dos fertilizantes utilizados no País, desta forma uma produção local de amônia é até uma questão de soberania nacional em um cenário global cada vez mais incerto e marcado por disputas geopolíticas”, pontua Abreu.
Hoje a amônia é produzida a partir de combustíveis fósseis, o que libera uma grande quantidade desses gases poluentes, causando mudanças climáticas. A dificuldade de transporte do hidrogênio verde, sobretudo em largas distâncias, é o que torna a produção Amônia Verde no Ceará uma excelente opção na lógica da exportação. “Vale lembrar que também não é um mar de rosas lidar com amônia. Ela é tóxica e inflamável, mas suas dificuldades são bem menores, comparando com o hidrogênio verde. É uma questão de adaptação e trade offs”, diz o engenheiro.

Foto: Gladison Oliveira/Complexo do Pecém
Impacto internacional e projeção para os próximos anos
De acordo com informações do CIPP para o Conexão 085, a produção estimada de hidrogênio verde do Complexo do Pecém deve chegar a 1 milhão de toneladas por ano em 2032, com potencial para atender a 25% da demanda de importação de Roterdã. Enquanto o CIPP se prepara para produzir e exportar o hidrogênio, o Porto de Roterdã irá receber e distribuir pelo mercado europeu. Os dois portos formarão a rota de exportação/importação de H2V mais próxima entre a América do Sul e a Europa.
Ainda segundo o CIPP, o hub de hidrogênio verde do Pecém está em fase de implantação. Já são 7 pré-contratos assinados com as empresas Casa dos Ventos, Auren Energia, EDF Renewables, Fortecue, FRV, Fuella AS e Voltalia. Os pré-contratos já somam US$ 30 bilhões em investimentos, o que deve duplicar a quantidade de empregos diretos e indiretos na região, que hoje é de 80 mil. As empresas já estão pagando pelo aluguel enquanto finalizam os projetos e têm até 2026 para tomarem as decisões finais para o definitivo, iniciando a produção a partir do fim de 2027.

Foto: Divulgação
O papel da comunicação
Yanna Guimarães, gerente de Comunicação e Marketing do Complexo do Pecém, afirma que a comunicação tem um papel central na ampliação do alcance das ações do Complexo do Pecém e, consequentemente, do hub de hidrogênio verde. “Ela é essencial para atrair investimentos, mostrar o potencial estratégico da região e consolidar a nossa imagem como um hub internacional de energia limpa”, pontua.
Além desses fatores, uma comunicação bem feita contribui para informar e engajar a população local, promovendo aceitação e esclarecendo os benefícios econômicos e ambientais do projeto. “Facilita o diálogo entre governo, empresas e academia, articulando esforços em prol da inovação e da transição energética. A comunicação nos mais diversos níveis posiciona o projeto no cenário global, reforçando o protagonismo do Brasil no mercado de hidrogênio verde”, finaliza.
3 de outubro de 2025 às 17:37