Do sertão até a capital: o poder do empreendedorismo como agente de mobilidade social no Ceará

Por Lucas de Paula - Conexão085

Wanderson Sena, empreendedor ((Foto: Arquivo pessoal)

O clima quente e semiárido do sertão sobralense é o plano de fundo da história de um garoto que viu na própria origem a chance de mudar a realidade ao seu redor. Amante da cultura da cidade em que nasceu, Wanderson Sena, 23, decidiu empreender e transformar a ancestralidade que carrega em um produto que exalta suas raízes. Assim, sob o calor de Sobral, surge a Mosec, marca do jovem empreendedor que usa as roupas para dar vida ao que acredita.

O barulho da máquina de costura é responsável por avisar aos vizinhos que passado e presente de Sobral se unem ali, ao lado, pelas mãos de Wanderson, que coloca em suas peças toda a estética e simbologia que o sertão traz. A vontade de trabalhar com moda surgiu quando o jovem se deparou com outro rapaz usando a mesma roupa que ele, desde o boné até o sapato, em uma festa da cidade. “Sempre tive gosto por personalizar roupas. Pintava a mão mesmo, fazia desenhos, pensava em estampas… Ver uma pessoa usando algo que eu já estava usando fez eu pensar: vou ver o que é que eu faço para isso não acontecer mais”, revela.

 

 

A primeira máquina de costura veio após fazer uma rifa. Com o dinheiro arrecadado e com a ajuda da mãe, ele conseguiu comprar uma máquina usada para começar a criar próprias peças. Apesar de já ter bastante talento e até vender algumas roupas, foi na turma de 32 alunos do curso de Desenhista de Moda e Modelista do Senac Ceará, que ele aprimorou as técnicas e passou a enxergar o amor por roupas como algo que poderia ser maior. “Eu fazia alguns trabalhos voltados à costura, mas era mais para pessoas conhecidas e com muito receio. Eu fazia mediante os conhecimentos que eu tinha e sempre tive essa curiosidade de poder ampliar ainda mais meus conhecimentos, mas ainda não tinha tido essa chance. Eu fazia os modelos de acordo com o que as pessoas pediam, mas sempre com receio, com medo de não conseguir atender a proposta”, pontua.

 

 

Wanderson já se sustentava com os trabalhos de costura, mas foi ao optar conhecer melhor a área que surgiram mais vínculos e oportunidades. Aos poucos ele passou a desenvolver a autoestima que o permitiu empreender. “O básico seria a autoconfiança, né? Em poder criar algo, em poder fazer algo no contexto mais amplo da coisa… principalmente algo voltado à moda”, diz.

O projeto final que o curso propôs tinha tudo a ver com a história de Wanderson: chamada de “Alvorecer do Sertão”, a coleção exaltava as raízes do Nordeste por meio das formas da caatinga e do simbolismo da vegetação da região, elementos que se transformaram em peças bordadas, pintadas e impressas com xilogravuras. “Foi muito mais que um trabalho final. Me fez enxergar minha cidade, minha cultura e minha história de outro jeito. Levei isso pra minha marca. Cada peça da Mosec carrega esse sentido de origem, de ancestralidade”, conta.

 

 

Hoje a marca tem como carro chefe a produção de roupas sob medida, além da produção de shoulder bags únicas com tecidos que seriam descartados. “Cada bolsa nasce de um resto, de um pedaço que sobrou… Não tem uma igual à outra. Isso virou nosso diferencial. Também recebemos roupas doadas, que viram mochilas, buckets, e quem doa ainda ganha um item feito com aquele material”, afirma.

A história de Wanderson se cruza com a de Fernanda Gonçalves, 34. A 233,78 km de Sobral, em Fortaleza, a cozinheira viu a vida dar um giro de 360º. Longe do barulho das máquinas de costura e do sol sobralense, ela se esquenta com o calor do fogão. Hoje a jovem atua como confeiteira no próprio empreendimento, mas o que quase ninguém sabe é que antes de empreender, ela atuava no Direito. A virada aconteceu após fazer o curso de Bolos & Tortas do Senac Ceará, em um momento da vida onde ela já estava desacreditada “Na época eu estava passando por um episódio de depressão. O curso me trouxe um norte e um direcionamento para aquilo que eu realmente queria seguir”, revela.

 

 

Enquanto ainda cursava Direito, Fernanda começou a fazer doces para amigos e familiares. As encomendas cresceram tanto que, em 2014, ela trancou a faculdade e criou os “Docinhos da Fê”, empreendimento que antecedeu a C’Douce Doceria, confeitaria que gerencia hoje. 

Já em 2018, quando abriu a primeira confeitaria, a pressão da família para vê-la como advogada a levou a fechar o primeiro negócio e logo ela desenvolveu depressão, o que a fez se afastar do sonho de confeitar. Foi em São Paulo, ao viajar para encontrar o irmão, que descobriu novamente que poderia ser o que ela quisesse. Quando voltou e contou seu desejo para a mãe, algo havia mudado: ela parecia entender. Não só entendeu, como sugeriu que a filha fizesse o curso de Bolos e Tortas do Senac.

 

 

Ao final do curso de Direito, Fernanda precisava tomar uma decisão: o que faria da vida dali em diante? Foi quando o coração falou mais alto e ela entendeu que confeitar era sua real vocação. Antes do curso de confeitaria ela não tinha uma direção profissional definida e fazia os doces apenas para pessoas próximas e por hobby, sem imaginar que isso poderia se tornar um negócio. 

“Foi uma experiência transformadora e um verdadeiro divisor de águas na minha vida. Além das técnicas de produção, aprendi sobre organização, boas práticas e como profissionalizar cada detalhe do meu trabalho. O que mais me ajudou foi entender a importância do planejamento e da padronização para crescer com consistência”, conta.

Hoje Fernanda vive do trabalho na confeitaria, produzindo bolos e doces sob encomenda para casamentos, festas e eventos. Ela acredita que tudo que aprendeu no curso foi essencial para que ela pudesse se aprimorar cada vez mais. “O curso trouxe mais segurança e profissionalismo ao meu trabalho. Passei a enxergar a confeitaria não apenas como uma paixão ou hobby, mas também como um negócio, aplicando técnicas e aprendizados que me ajudaram a evoluir e oferecer produtos com mais qualidade”, revela.

 

 

O que leva uma pessoa a empreender?

Apesar de terem histórias bem diferentes, Wanderson e Fernanda possuem algo em comum: a vocação para empreender. Mas, afinal, o que leva alguém a decidir criar uma empresa? Há uma explicação técnica que decifre quando esse estalo acontece? Cláudia Buhamra, formada em administração de empresas e professora na Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca a teoria de Shapero e Sokol, chamada “evento empreendedor”. O estudo defende que sempre existe um evento que impulsiona a pessoa ao empreendedorismo.

“Um evento como a pandemia, que trouxe muito desemprego, sem dúvida, é um evento negativo, que levou muita gente a investir no empreendedorismo, como forma de sobrevivência. Outro evento negativo, fora a pandemia, é alguém que perde o emprego naturalmente, porque se desinteressou ou percebeu que não gosta do que faz, e resolve investir no seu próprio negócio”, pontua a administradora.

Ainda segundo Cláudia, os eventos positivos como recebimento de dinheiro da aposentadoria ou convite de amigos também podem ser importantes fontes de impulso. Para que o empreendimento se torne real, três elementos devem se fazer presentes. O primeira é a propensão à ação, algo intrínseco do indivíduo, quando alguém tem iniciativas por seu modo de agir em situações diversas. O segundo é desejabilidade percebida: a percepção do desejo de empreender, que já existe ou é despertado por algo ou alguém. Por fim, a viabilidade percebida: condições para empreender, sejam financeiras ou de parcerias, que aparecem e tornam o empreendimento viável.

A administradora ainda afirma que pode existir ascensão social por meio do empreendimento, mas há muito trabalho e esforço antes de chegar lá. “Existe uma ascensão social? Sim, quando dá certo. E quando a pessoa aguenta. Porque tem muito empreendedor que desiste no meio do caminho. Um empreendedor não pode começar achando que já no primeiro ou no segundo ano ele vai trocar de carro, começar a viajar e comprar uma casa. E aí, como é que ele paga os empregados, ou o sócio? Ou como é que ele paga os fornecedores?”, diz.

Para que dê certo, a qualificação é essencial. O empreendedor tem que primeiro se perguntar qual é a oferta de valor que ele tem que fazer ao mercado e como ele pode melhorar a vida das pessoas. É o caso dos profissionais liberais que chegam a ter uma ascensão social porque empreendem no seu ofício: médicos, dentistas e advogados que montam consultórios e escritórios. “Pode ser simplesmente fazendo bolo de aniversário ou oferecendo tratamento dentário. A pergunta tem que ser: o que eu quero oferecer de valor e o que a minha oferta muda para melhor a vida das pessoas?”, sugere.

O crescimento do empreendedorismo no Ceará

De acordo com a Junta Comercial do Ceará (JUCEC), entre junho de 2024 e junho de 2025 foram cerca de 166 mil novas empresas abertas no estado, com destaque para três setores: serviços, com 50.771 novos empreendimentos; comércio, com 18.999; e indústria, com 5.007. Só no primeiro semestre deste ano foram 74.777 novos negócios, o que significa um aumento de 34,06% em relação ao período de janeiro a junho de 2025, que registrou 55.778 aberturas.

O Ceará também aparece como o estado do Nordeste com maior número de empreendedoras mulheres, representando 46% do número, quase metade do total de empreendedores. Ao todo são 419 mil mulheres que gerenciam o próprio negócio no estado, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD).

A força dos pequenos empreendedores

Para Claudiane Alcântara, presidente da Associação das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedores Individuais e Artesãos (Amicro) de Caucaia, os pequenos empreendedores têm um papel fundamental na economia do Ceará. “Eles são responsáveis por gerar grande parte dos empregos, movimentar a renda local e fortalecer o comércio nas comunidades. Os micro e pequenos negócios representam a base do nosso desenvolvimento econômico”, afirma.

A presidente ainda afirma que o empreendedorismo é uma forte ferramenta de inclusão e ascensão social. “Ao empreender, essas pessoas também contribuem para o crescimento da comunidade, gerando emprego e criando uma rede de oportunidades que impacta positivamente a sociedade”, diz.

Claudiane acredita que a qualificação é essencial para que o empreendedor possa estruturar bem o seu negócio, planejar de forma estratégica e tomar decisões com mais segurança. “Conhecimento em gestão, finanças, marketing e inovação faz toda a diferença para transformar uma boa ideia em um empreendimento de sucesso”, pontua.

Marlos Bruno Aguiar, consultor de Produtos Educacionais no eixo de Gestão e Negócios do Senac Ceará, acredita que o estado hoje tem um perfil fortemente empreendedor, marcado pela criatividade e pela resiliência do povo, e que os pequenos empreendedores se tornaram a espinha dorsal da economia do nosso Estado. “Esse empreendedorismo tem um impacto direto no desenvolvimento da nossa sociedade, porque ele movimenta a economia, gera empregos e fortalece a cadeia produtiva local. Você pode perceber hoje pequenos negócios em áreas como moda, gastronomia e serviços são decisivos para dinamizar comunidades e valorizar o comércio regional”, afirma.

Marlos pontua que o Senac Ceará forma um número vasto de empreendedores, os quais ele acredita que são protagonistas da economia local, contribuindo cada vez mais para um Estado inovador, competitivo e inclusivo. “O Senac Ceará entende o empreendedorismo como um instrumento de transformação social. Essa é a realidade: possibilita que as pessoas construam seu próprio caminho profissional, geram autonomia, renda e novas oportunidades”, finaliza.

17 de setembro de 2025 às 17:00

Banner topo – Conexão085
SEBRAE
banner topo – Shopping Aldeota
Banner Casa Linda Flor – Banner Logo
MIDDLE BANNER – SENAI
MIDDLE BANNER – SESI
MOURA DUBEUX – BANNER PRINCIPAL
DIAS DE SOUSA (PLATINUM) – TOPO BANNER
DIAS DE SOUSA – TOPO BANNER
XAMPOO PARTICIPAÇÕES
Banner topo arvo
DEEP – TOPO BANNER
DIAS DE SOUSA (BEACH VILLE) – TOPO BANNER

Apoio e patrocinio